domingo, 7 de fevereiro de 2010

Tudo Pode Dar Certo

 

Quem conhece Woody Allen sabe da sua predilecção pela cidade de Nova Iorque. O filme “Manhattan”, por exemplo, onde ele desflorou esta cidade como ninguém, através das lentes da câmara, nada mais é do que uma declaração de amor à cidade mais badalada do mundo e uma obra-prima sobre a vida quotidiana das pessoas.

Em “Whatever Works”, “Tudo Pode Dar Certo”, é Woody Allen de volta às origens. Nova Iorque, a sua terra natal, sarcasmo e manias. Depois de se aventurar pela Europa, e mostrar toda a sua versatilidade, com três filmes em Londres ("Match Point", "Scoop" e "O Sonho de Cassandra") e um em Espanha (o Almodovoriano "Vicky Cristina Barcelona"), o realizador revelou que ficou muito feliz por voltar à sua amada Manhattan para filmar esta comédia. Este filme é um regresso ao estilo que o consagrou, a comédia inteligente, cheia de diálogos ácidos e personagens que expressam um lado mais cru e divertido do ser humano. Allen volta em grande estilo e traz-nos uma comédia deliciosa e apaixonante com mais um filme imperdível do neurótico mais genial de que se tem noticia. A narrativa é outro grande ingrediente, Larry David (co-criador da série Seinfield) conversa com o espectador ao contar a sua história e brinca com o público que vai ao cinema. Nesta produção, Larry interpreta um excêntrico nova-iorquino, ex-físico nuclear que quase foi nomeado ao Nobel, e agora está reformado e divorciado de uma mulher tão perfeita que ele não suportava mais, que abandona sua vida elitista para aprender mais sobre a existência humana. Woody Allen faz uma análise bem-humorada e extremamente ácida do ser humano, usando Boris Yellnikoff, um personagem rabugento, mau humorado, grosseiro, frustrado, e muito, muito engraçado, como seu porta-voz. Larry, imprime uma actuação digamos... desconcertante. Cheio de piadas rápidas que ficam entre o humor refinado (e nisso lembra muito os personagens que o próprio Allen interpretava) e a mais pura indelicadeza. Ele encarna um homem cheio de “neuras”, e que se acha génio, aliás, não só se acha mas faz questão de dizer isso a toda hora. Dotado de uma visão realista do mundo, Boris é daqueles que parecem não ter remédio… até que na sua vida entra a completa imbecil mas, extremamente, encantadora Melodie. Ela (Evan Rachel Wood) representa aquilo que Boris mais detesta no ser humano, idiota, cheia de frases prontas, sonhadora e burra ao extremo. Se ele fala, ela acredita. Se ele inventa uma teoria, ela faz disso uma lição de vida. Super disposta a colaborar e a aprender. E Melodie cresce muito com a companhia de Boris. Música clássica, teorias disso e daquilo, culturas, autores e afins. Ela torna-se uma pessoa crítica, exigente com o mundo, tal como ele, mas ainda doce e simples. O que vale ressaltar é que Allen foge da vulgaridade ao contar a história dos dois, porque simplesmente Boris continua chato e pessimista, pois mesmo estando a viver com a encantadora Melodie, ele não demonstra aquela redenção cliché de tantos outros filmes. E eis que também chegam os pais atrás dela, surgem alguns romances, alguns pretendentes e a partir disso, todos começam a reavaliar todo o conceito de suas vidas. Uma reacção em cadeia que envolve o desprendimento de antigos pensamentos, relações, trocas, aprendizagem e tudo o mais. E todo o pessimismo ainda existe, todas as manias, todo o sarcasmo de um mundo falhado e uma humanidade errónea, mas que, sobretudo, vive por um bem comum.

Este fim-de-semana fui ver este filme. É um filme coeso, que apresenta uma tese sobre o acaso da vida e a prova, utilizando os seus próprios personagens. Porque a vida adora contrariar as teorias, adora desmentir-nos e pregar-nos algumas partidas curiosas. Porque o Universo é um acaso cego sem sentido, provando que, ainda que tudo pareça conspirar para o lado errado, tudo pode mesmo dar certo. Este é um daqueles filmes que não deve ser, de todo, visto sozinho mas sim na companhia de quem tenha a mesma paixão por aquela cidade, por aquele ambiente, por quem se deixe conquistar pelo mesmo charme e sedução da “Big Apple”. O que me leva a escrever sobre o filme e comentá-lo é tão somente para dizer que, ainda que na vida real nem tudo possa dar certo, porque a vida de cada um de nós, não é uma narrativa nem um guião já escrito, o qual temos que seguir frase a frase, linha a linha, muito menos uma comédia romântica, embora, por vezes, se pareça um drama capaz de ganhar um Óscar, mas sim um conjunto de vontades e vidas individuais onde, por vezes, é difícil conciliá-las e interligá-las, já que o mundo das mulheres e dos homens já não é feito de ilhas, e é esperado que todos saibamos aceitar e perceber as nossas diferenças, por mais que se queira, podemos não ter a coragem suficiente para assumirmos aquilo que realmente desejamos e queremos. E este filme consegue transmitir a "moral" subjacente segundo a qual "tudo o que funcione para ti", por mais inapropriado ou absurdo que possa parecer, desde que te faça feliz... é o que interessa!

2 comentários:

Angel disse...

Adorei o texto:)
É um filme que também quero ver pois vale a pena só para poder ver a cidade de Nova Iorque.
E gostei do lema: Se te faz feliz é o que interessa;)

O Gajo disse...

Obrigado!

Recomendo vivamente o filme. Woody Allen ao seu melhor nível!

Tento, sempre, viver com essa máxima "atrelada" a mim. Se não tentarmos ninguém o faz por nós! Garantidamente!