sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

O Amor é...

A palavra “amor”, por vezes de destino tão desafortunado e cansado costume, é um daqueles termos cujo sentido e profundidade é difícil de abordar com rigor. O amor humano é um sentimento experimentado por uma pessoa em relação a outra, que se manifesta no desejo da sua companhia, no alegrar-se com o que lhe é benéfico e no sofrer com o mal que a afecta. O encontro amoroso entre um homem e uma mulher surge com uma força capaz de transformar a personalidade e proporcionar uma nova visão do mundo. Para que se possa entender o amor, de acordo com o livro que estou a ler, eis o entendimento do que podem ser os principais sintomas desta síndrome generalizada a que chamamos enamoramento:

1 – A primeira sensação de uma pessoa enamorada é um transtorno de atenção. A atenção é uma ferramenta da consciência e a consciência é aquela função psíquica mediante a qual nos apercebemos da realidade. O enamorado tem a sua consciência absorvida pela pessoa amada, para a qual se dirigem repetidamente a sua cabeça e o seu coração. De alguma maneira, escolhemos e decantamos as nossas preferências. Por isso, ao nos enamorarmos, oferecemos uma ideia bastante clara daquilo que nos agrada, daquilo que nos atrai no sexo oposto: retratamo-nos mais do que nunca, dizemos o que nos vai dentro, manifestamos as nossas preferências e o nosso sistema de valores. Na eleição amorosa, a pessoa mostra os ingredientes essenciais do seu projecto afectivo.

2 – Depois vêm os sintomas que geralmente se enraízam, embora nem sempre assim suceda. Por um lado a cabeça começa a hipotecar-se, pensa continuamente na outra pessoa: o que estará a fazer, o que pensa disto ou daquilo que comentámos, as suas ideias sobre este e aquele tema fundamental, etc. Por outro lado, dá-se um desejo e partilha, que se desenvolve em várias direcções: necessidade de estar juntos, de comunicar, de falar, de comentar pequenos e grandes incidentes… à medida que o tempo passa, a necessidade de escutar o silêncio a dois, de falar de tantas e tantas coisas – muitas das quais nem sequer chegam a ser comentadas, são dadas como subentendidas – que são afinal a essência da vida. Quase imperceptivelmente a comunicação abre-se em três vertentes: física; psíquica; e espiritual. Nesse momento a condição humana abre-se nessas três frentes.

3 – Em terceiro lugar produz-se uma dilatação da personalidade como consequência da experiência: o eu, o centro da vida pessoal agiganta-se e, de alguma maneira, transborda para fora de si mesmo num momento de exaltação emocional que se vive interiormente. Como que uma bebedeira da personalidade embriagada pelo aroma do amor humano personificado, concreto, preciso, terminante e por fim alcançado. É uma embriaguez. Flutua-se.

4 – À medida que o tempo passa, a esta sequência de sucessos acrescenta-se um novo: a necessidade de admirar no outro algo que não se possui e que se considera como um valor; algo que não é necessariamente extraordinário, mas que adquire esse grau para quem o observa.

5 – Nesta travessia, insensível, o enamorado atribui à pessoa amada valores ocultos ou imperceptíveis que se crêem inerentes a uma “pessoa ideal”. No fundo, o que verdadeiramente acontece é que o sujeito se enamora do amor, ou seja, é uma operação do espírito que, em tudo o que sucede e em todas as circunstâncias, descobre novas perfeições no seu amado. Basta pensar numa perfeição para a atribuir à mulher amada. Este fenómeno vem da natureza que nos ordena o prazer e nos envia o sangue para o cérebro; da intuição de que os prazeres aumentam com as perfeições do ser amado e da ideia de que este nos pertence. Em verdade, o que aqui acontece é o exacerbar de uma possível propriedade e agrada-nos ver que, efectivamente, esse valor está presente na pessoa amada.

Para terminar a construção do edifício afectivo, que se vai edificando a pouco e pouco, a sustentação de que devagar se vai ao longe. Isto é, calma e paciência são absolutamente necessários para o sucesso futuro. Enamorar-se não consiste apenas em sentir-se atraído pela outra pessoa, mas também em não poder conceber a vida futura sem a sua companhia, ou seja, não me projecto nessa pessoa, projecto-me com ela. Resume-se em encontrar-se a si mesmo fora de si mesmo, de tal modo que não concebemos o nosso projecto pessoal sem que essa outra pessoa esteja profundamente abrangida por ele, constituindo parte essencial do seu argumento. Eis porque o verdadeiro enamoramento penetra e marca o ser humano nas mais fundas raízes e nos planos mais epidérmicos do seu ser.

7 comentários:

A Gaja disse...

Muito oportuno.
Muito bom.
Bom timming!

So a parte da "pertence" e "propriedade" é que discordo, mas gostei....!!

O Gajo disse...

Sentido figurativo! Não interpretes à letra...

Angel disse...

Tudo muito bonito e poético mas há algo que escreves que não acho tão bonito: "à medida que o tempo passa, a necessidade de escutar o silêncio a dois, de falar de tantas e tantas coisas – muitas das quais nem sequer chegam a ser comentadas, são dadas como subentendidas – que são afinal a essência da vida.".

É aqui que começa a decadência, mas isto claro, sou eu a falar. Sei que há pessoas que acham que não, conheço algumas assim.

O Gajo disse...

Eu, por regra, sou um homem que não sabe estar calado. Sou incapaz de não ter um conversa com quem acho interessante ou me interessa. No entanto, quando estou sozinho, preciso dos meus momentos de silêncio. E adoro-os! São aqueles momentos que eu considero aconchegantes. Quanto à pessoa que está comigo, existem silêncios e silêncios. Os primeiros são aquele que temos, de forma natural, e que são bastante agradáveis em consequência da compatibilidade e cumplicidade que existe em ambos, e esses só com algumas, poucas, pessoas especiais os conseguimos ter, e os segundos os que nos são impostos. Porque não há essa cumplicidade, convivência ou participação. E esses são os que acabam por matar qualquer desejo e relação!

Respeito a sua opinião! Mas dê uma olhada no que diz este post, talvez, desta forma, perceba aquilo do que eu estou a falar!

http://nirvana-acupofthoughts.blogspot.com/2010/01/silencio.html

“Há silêncios e silêncios. Há o confortável e o desconfortável, há o que pedimos e o que nos é imposto, há o que advém da cumplicidade de um olhar e há o que nem mil palavras conseguem ultrapassar, há o que procuramos e o que queremos quebrar, há o que encerra em si mil palavras e o que já esgotou as palavras todas. E há o nosso silêncio. Aquele que nos procura como uma necessidade física, como a fome ou a sede.”

Angel disse...

Ah, eu percebi essa divisão, mas não gosto na mesma. Tudo aquilo que fica subentendido é baseado nada mais nada menos que nas nossas crenças. E em nada mais!

O Gajo disse...

O livro em questão não tem nada de poético. Pelo contráro, é até bastante empírico e fundamentado no saber e na instrução!

Quanto aos silêncios, concordo consigo, o melhor mesmo é termos alguém ao nosso lado com o qual não haja nunca um minuto de silêncio.

Mas concordará comigo, certamente, de que, por vezes, apenas com um olhar, se consegue adivinhar os pensamentos e desejos de outra pessoa! E é aí que o silêncio, subentendido, pela cumplicidade existente, pode ser um tónico maravilhoso...

Angel disse...

Concordo:)